A crise econômica pela qual o Brasil está passando traz bastante
turbulência para os contratos de locação, sobretudo no que concerne às
discussões com relação ao valor do aluguel, períodos de carência e
rescisão antecipada.
Neste sentido, há sempre uma demanda crescente sobre os limites das
disposições contratuais referentes a cada um destes temas, tais como a
possibilidade de recuperação da carência na hipótese de rescisão
antecipada imotivada da locação pelo locatário e o montante da multa por
rescisão antecipada.
Como é sabido, a Lei 8.245/91, que trata da locação de imóveis
urbanos, permite exclusivamente ao locatário a rescisão antecipada
imotivada da locação, faculdade esta que não assiste ao locador.
Nos termos do Art. 4º da Lei 8.245/91, o locatário, com exceção ao
que estipula o Parágrafo 2º do Art. 54-A, poderá devolver o imóvel
locado durante o prazo estipulado para a duração do contrato, mediante o
pagamento da multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do
contrato; ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.
Em épocas de crise, com vários imóveis vagos, esta faculdade de
rescisão antecipada é sempre um excelente instrumento do locatário para
buscar uma renegociação do contrato de locação como um todo ou até mesmo
rescindir a locação mudando-se para outro imóvel com condições de preço
mais atraentes (tanto no que concerne a valor de aluguel, período de
carência para pagamento de aluguel, ou ainda eventuais benfeitorias que o
locador ofereça ao locatário).
Fato é que ao lado dessas concessões contratuais, os locadores também
buscam garantir a locação com disposições como o pagamento do período
de carência na hipótese de rescisão antecipada e multa por rescisão
antecipada. A pergunta que fica, no entanto, é a validade e eficácia de
tais disposições contratuais em face da legislação brasileira aplicável.
Como já exposto acima, a Lei 8.245/91 permite ao locatário a rescisão
da locação durante o prazo de vigência da locação mediante o pagamento
da multa contratualmente estipulada, a qual deverá obedecer a
proporcionalidade do período de cumprimento do contrato (que decorre da
regra anteriormente prevista da proporção disposta no Art. 413 do Código
Civil Brasileiro). Não há na Lei 8.245/91 uma limitação expressa para o
valor dessa multa por rescisão antecipada, embora haja entendimentos
(dos quais não compartilhamos) que esta limitação seria equivalente a 3
aluguéis mensais em função da disposição contida no Parágrafo 2º do Art.
38 que limita a caução em dinheiro para garantia da locação a 3
aluguéis mensais.
Ora, fosse a intenção do legislador limitar a multa por rescisão
antecipada a 3 aluguéis mensais, muito mais simples prever expressamente
esta limitação quando tratou da multa por rescisão antecipada. Mais
ainda, dita limitação não se aplica às demais modalidades de garantias
locatícias, restando por conseguinte evidente que é uma limitação
específica à modalidade de garantia por caução em dinheiro, não sendo
possível interpretar de forma extensiva que esta limitação seja
aplicável às demais disposições da Lei 8.245/91.
Se não há limitação ao valor da multa por rescisão antecipada, é
possível considerar então que este valor seria totalmente livre, podendo
inclusive equivaler ao saldo remanescente da locação? É claro que a
resposta é negativa (tanto que tal valor de multa somente é admissível
aos contratos sujeitos à disposição do Art. 54-A, quais sejam os
contratos de “built-to-suit” ou “sale & lease back”, entre outros,
expressamente excepcionados consoante a disposição contida no Art. 4º da
Lei 8.245/91).
A multa por rescisão antecipada tem natureza penal e é uma
indenização pelas perdas e danos sofridas pelo locador em função da
decisão unilateral do locatário de rescindir antecipadamente a locação.
Busca, por conseguinte, repor ao locador as perdas e danos que este
sofrerá em função da saída do locatário do imóvel e a necessidade de
buscar um novo locatário para seu imóvel, assim como a perda da
expectativa de recebimento do aluguel que era devido pelo locatário pelo
prazo remanescente do contrato.
Com base no entendimento acima, nos parece correta a não previsão
expressa em lei de uma limitação. Como as perdas e danos decorrem da
natureza do imóvel locado e da sua eventual nova locação, é correto
permitir ao próprio mercado que regule o valor dessa multa, a qual
deverá necessariamente obedecer a critérios de proporcionalidade (e sem
prejuízo de o locatário buscar uma eventual redução judicial no caso de a
multa acordada ser excessiva com base nas disposições do Código Civil).
Já no que concerne à previsão da obrigação do pagamento do período de
carência na hipótese de rescisão antecipada da locação pelo locatário,
não há qualquer referência a isto na Lei 8.245/91. A disposição de
carência do pagamento do aluguel ou eventuais outros encargos da locação
decorre da livre negociação entre locador e locatário e, por
conseguinte, a disposição que prevê o pagamento desta carência na
hipótese de rescisão antecipada da locação também deve ser interpretada
como decorrente da livre negociação das partes.
Neste sentido, se o contrato de locação expressamente dispuser que na
hipótese de rescisão antecipada do locatário este deverá pagar ao
locador, em adição à multa por rescisão antecipada, os valores
referentes ao período de carência, não nos parece que assista ao
locatário justo motivo para buscar o não pagamento destes valores ou
ainda uma eventual redução proporcional desses valores sob o argumento
de que esses valores também deveriam estar sujeitos à redução
proporcional prevista para a multa por rescisão antecipada.
De início, importante frisar que a restituição da carência pelo
locatário não se confunde com a multa por rescisão antecipada. Enquanto
esta se refere às perdas e danos pela rescisão antecipada, projetando
sobre o futuro da locação precocemente rescindida, o ressarcimento da
carência concedida é simplesmente o pagamento dos aluguéis não pagos
pelo locatário durante determinado período por acordo das partes, acordo
este que decorreu da premissa exclusiva da manutenção da locação por
todo o período contratado – não é, portanto, uma penalidade.
Por fim, como já debatido, a carência é uma liberalidade do locador
na negociação do contrato de locação em benefício do locatário,
decorrendo exclusivamente da liberdade das partes ao negociar os termos e
condições da locação. Deste modo, assim como a lei autoriza às partes
plena liberdade para dispor da carência, deverá haver a mesma liberdade
para disposição do ressarcimento desta carência na hipótese de rescisão
antecipada pelo locatário.
Por José Paulo Marzagão
Sócio da prática de Imobiliário do escritório Tauil & Chequer Advogados
Fonte: http://jota.uol.com.br/coluna-do-tauil-chequer-a-liberdade-de-contratar-frente-a-lei-n-8-2451991
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