quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

LOCAÇÕES: A liberdade de contratar frente a Lei n° 8.245/1991





A crise econômica pela qual o Brasil está passando traz bastante turbulência para os contratos de locação, sobretudo no que concerne às discussões com relação ao valor do aluguel, períodos de carência e rescisão antecipada.

Neste sentido, há sempre uma demanda crescente sobre os limites das disposições contratuais referentes a cada um destes temas, tais como a possibilidade de recuperação da carência na hipótese de rescisão antecipada imotivada da locação pelo locatário e o montante da multa por rescisão antecipada.

Como é sabido, a Lei 8.245/91, que trata da locação de imóveis urbanos, permite exclusivamente ao locatário a rescisão antecipada imotivada da locação, faculdade esta que não assiste ao locador.

Nos termos do Art. 4º da Lei 8.245/91, o locatário, com exceção ao que estipula o Parágrafo 2º do Art. 54-A, poderá devolver o imóvel locado durante o prazo estipulado para a duração do contrato, mediante o pagamento da multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato; ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

Em épocas de crise, com vários imóveis vagos, esta faculdade de rescisão antecipada é sempre um excelente instrumento do locatário para buscar uma renegociação do contrato de locação como um todo ou até mesmo rescindir a locação mudando-se para outro imóvel com condições de preço mais atraentes (tanto no que concerne a valor de aluguel, período de carência para pagamento de aluguel, ou ainda eventuais benfeitorias que o locador ofereça ao locatário).

Fato é que ao lado dessas concessões contratuais, os locadores também buscam garantir a locação com disposições como o pagamento do período de carência na hipótese de rescisão antecipada e multa por rescisão antecipada. A pergunta que fica, no entanto, é a validade e eficácia de tais disposições contratuais em face da legislação brasileira aplicável.

Como já exposto acima, a Lei 8.245/91 permite ao locatário a rescisão da locação durante o prazo de vigência da locação mediante o pagamento da multa contratualmente estipulada, a qual deverá obedecer a proporcionalidade do período de cumprimento do contrato (que decorre da regra anteriormente prevista da proporção disposta no Art. 413 do Código Civil Brasileiro). Não há na Lei 8.245/91 uma limitação expressa para o valor dessa multa por rescisão antecipada, embora haja entendimentos (dos quais não compartilhamos) que esta limitação seria equivalente a 3 aluguéis mensais em função da disposição contida no Parágrafo 2º do Art. 38 que limita a caução em dinheiro para garantia da locação a 3 aluguéis mensais.

Ora, fosse a intenção do legislador limitar a multa por rescisão antecipada a 3 aluguéis mensais, muito mais simples prever expressamente esta limitação quando tratou da multa por rescisão antecipada. Mais ainda, dita limitação não se aplica às demais modalidades de garantias locatícias, restando por conseguinte evidente que é uma limitação específica à modalidade  de garantia por caução em dinheiro, não sendo possível interpretar de forma extensiva que esta limitação seja aplicável às demais disposições da Lei 8.245/91.

Se não há limitação ao valor da multa por rescisão antecipada, é possível considerar então que este valor seria totalmente livre, podendo inclusive equivaler ao saldo remanescente da locação? É claro que a resposta é negativa (tanto que tal valor de multa somente é admissível aos contratos sujeitos à disposição do Art. 54-A, quais sejam os contratos de “built-to-suit” ou “sale & lease back”, entre outros, expressamente excepcionados consoante a disposição contida no Art. 4º da Lei 8.245/91).

A multa por rescisão antecipada tem natureza penal e é uma indenização pelas perdas e danos sofridas pelo locador em função da decisão unilateral do locatário de rescindir antecipadamente a locação. Busca, por conseguinte, repor ao locador as perdas e danos que este sofrerá em função da saída do locatário do imóvel e a necessidade de buscar um novo locatário para seu imóvel, assim como a perda da expectativa de recebimento do aluguel que era devido pelo locatário pelo prazo remanescente do contrato.

Com base no entendimento acima, nos parece correta a não previsão expressa em lei de uma limitação. Como as perdas e danos decorrem da natureza do imóvel locado e da sua eventual nova locação, é correto permitir ao próprio mercado que regule o valor dessa multa, a qual deverá necessariamente obedecer a critérios de proporcionalidade (e sem prejuízo de o locatário buscar uma eventual redução judicial no caso de a multa acordada ser excessiva com base nas disposições do Código Civil).

Já no que concerne à previsão da obrigação do pagamento do período de carência na hipótese de rescisão antecipada da locação pelo locatário, não há qualquer referência a isto na Lei 8.245/91. A disposição de carência do pagamento do aluguel ou eventuais outros encargos da locação decorre da livre negociação entre locador e locatário e, por conseguinte, a disposição que prevê o pagamento desta carência na hipótese de rescisão antecipada da locação também deve ser interpretada como decorrente da livre negociação das partes.

Neste sentido, se o contrato de locação expressamente dispuser que na hipótese de rescisão antecipada do locatário este deverá pagar ao locador, em adição à multa por rescisão antecipada, os valores referentes ao período de carência, não nos parece que assista ao locatário justo motivo para buscar o não pagamento destes valores ou ainda uma eventual redução proporcional desses valores sob o argumento de que esses valores também deveriam estar sujeitos à redução proporcional prevista para a multa por rescisão antecipada.

De início, importante frisar que a restituição da carência pelo locatário não se confunde com a multa por rescisão antecipada. Enquanto esta se refere às perdas e danos pela rescisão antecipada, projetando sobre o futuro da locação precocemente rescindida, o ressarcimento da carência concedida é simplesmente o pagamento dos aluguéis não pagos pelo locatário durante determinado período por acordo das partes, acordo este que decorreu da premissa exclusiva da manutenção da locação por todo o período contratado – não é, portanto, uma penalidade.

Por fim, como já debatido, a carência é uma liberalidade do locador na negociação do contrato de locação em benefício do locatário, decorrendo exclusivamente da liberdade das partes ao negociar os termos e condições da locação. Deste modo, assim como a lei autoriza às partes plena liberdade para dispor da carência, deverá haver a mesma liberdade para disposição do ressarcimento desta carência na hipótese de rescisão antecipada pelo locatário.

Por José Paulo Marzagão Sócio da prática de Imobiliário do escritório Tauil & Chequer Advogados
 
Fonte: http://jota.uol.com.br/coluna-do-tauil-chequer-a-liberdade-de-contratar-frente-a-lei-n-8-2451991 

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